Anemia

Mas afinal, o que é anemia?

A anemia é uma das doenças mais comuns do mundo, atingindo cerca de 1.5 bilhão de pessoas. Ela consiste na redução da substância responsável pelo transporte do oxigênio no nosso sangue, a hemoglobina, e das células que fazem o transporte de oxigênio, as hemácias. Como resultado, os sintomas associados à anemia geralmente são cansaço, desânimo, fraqueza e intolerância às atividades físicas. Muitas vezes, porém, ela não provoca quase nenhum sintoma. Na verdade, na maioria das vezes, a anemia é um sintoma de um outro problema de saúde, assim como a febre é um sintoma de infecção.

Imagem Anemia

E o que causa a anemia? Existem dezenas de causas para a anemia, que variam de acordo com o sexo, história familiar, tipo de alimentação, outras doenças que a pessoa tenha e cirurgias prévias. Identificar a causa é importante, pois dela depende o tratamento. Por exemplo: uma vez que nem toda anemia é por falta de ferro, não é toda anemia que vai ser resolvida por ele! Costumamos classificar as anemias em dois grandes grupos: aquelas que são causadas por uma redução na produção de hemácias (células vermelhas) pela medula óssea e aquelas que são causadas por um excesso de destruição das células vermelhas (processo chamado de hemólise).

Antes de seguir, porém, já adianto uma das dúvidas mais comuns com relação a esse assunto: anemia não é igual à leucemia! Embora muitas vezes a anemia seja um sintoma de leucemia, esta é uma causa excepcionalmente rara de anemia, havendo outras muito mais frequentes, como veremos a seguir.

Anemias por deficiência de produção medular

As anemias por deficiência de produção medular ocorrem quando a medula óssea, que é a fábrica do sangue, não consegue produzir o número de células vermelhas e a quantidade de hemoglobina necessários para manutenção dos níveis normais desses dois componentes do sangue. Isso ocorre mais comumente por falta de algum elemento importante para a produção dessas células (sendo o principal deles o ferro) ou pela presença de alguma doença na própria medula óssea que impede o seu funcionamento normal.

Anemia por deficiência de nutrientes

Existem diversos nutrientes cuja deficiência pode estar relacionada à anemia, como por exemplo o cobre, o zinco e o ácido fólico. Os dois nutrientes mais frequentemente relacionados à anemia, porém, são o ferro e a vitamina B12.

Anemia por deficiência de ferro (ferropriva)

A causa mais comum de anemia é a deficiência de ferro. No hemograma, as anemias por deficiência de ferro geralmente caracterizam-se por uma redução nos índices de volume corpuscular médio (VCM) e hemoglobina corpuscular média (HCM), além de um aumento do RDW (Red cell Distribution Width).

Nosso organismo desenvolve deficiência de ferro por basicamente três mecanismos: dieta pobre em ferro, má-absorção do ferro pelo intestino e perda crônica de ferro.

Embora uma alimentação deficiente em alimentos ricos em ferro seja comumente culpada por uma anemia, no adulto, que é capaz de reaproveitar o ferro das células vermelhas antigas e tem necessidades de ferro menores que a da criança, esse é raramente o caso. Não que a baixa ingestão crônica de ferro não leve à anemia, mas isso geralmente só é visto em dietas sem nenhum tipo de proteína animal (principal fonte de ferro para o ser humano).

Assim, a causa mais comum de anemia no adulto é a perda crônica de ferro. E como nosso corpo perde ferro? Simples, através de sangramentos. “Ah, mas eu não tenho nenhum sangramento” é o que muitos pacientes com anemia por deficiência de ferro dizem na primeira consulta. Na verdade, não é bem assim. As mulheres, por exemplo, podem ter anemia pela perda de sangue excessiva associada à menstruação, enquanto nas pessoas de mais idade o sangramento pelo trato gastrointestinal (estômago, intestino delgado e intestino grosso) é mais comum. E esse sangramento geralmente é imperceptível e muitas vezes não é detectado por exames como a endoscopia digestiva alta e a colonoscopia, já que esses não alcançam e não visualizam o intestino delgado.

Detectar a causa da anemia por falta de ferro é fundamental, pois a reposição de ferro não é eficaz se a perda de ferro por sangramento é persistente (pense em uma caixa d’água com um vazamento; não importa quanta água seja colocada lá dentro, a caixa nunca vai estar cheia!).

Uma outra causa, cada vez mais frequente, de anemia por deficiência de ferro são as condições que impedem nosso organismo de absorver o ferro dos alimentos. O principal exemplo desta situação é a gastroplastia redutora (cirurgia bariátrica), mas doenças como doença celíaca, doença de Crohn e retocolite ulcerativa também podem impedir a absorção do ferro e causar anemia. Essas condições geralmente requerem tratamento com o ferro endovenoso (ministrado em uma veia).

Anemia por deficiência de vitamina B12

Um outro nutriente muito importante para a produção da hemoglobina e das células vermelhas e cuja deficiência causa anemia é a vitamina B12. Ao contrário da deficiência de ferro, a deficiência de vitamina B12 caracteriza-se, geralmente, por um aumento nos índices de volume corpuscular médio (VCM) e hemoglobina corpuscular média (HCM).

Assim como na deficiência de ferro, exceto pelas dietas vegetarianas ou ovolactovegetarianas, a alimentação dificilmente é a causa da deficiência de vitamina B12. Quase invariavelmente um defeito na absorção desta vitamina está por trás de sua deficiência. Esse defeito geralmente acomete os indivíduos de mais idade e na maioria dos casos é provocado pela presença de uma forma específica de gastrite, chamada de gastrite atrófica.

Na maioria dos casos essa gastrite é assintomática e só pode ser detectada pela endoscopia digestiva alta, sendo possível, entretanto, inferir sua presença através da pesquisa de substâncias no sangue que desencadeiam essa gastrite, como o anticorpo anticélula parietal.

Outras causas de deficiência de vitamina B12 incluem as mesmas doenças que levam à má-absorção de ferro (doença de Crohn, retocolite ulcerativa, doença celíaca), incluindo a gastroplastia redutora e mais raramente doenças genéticas.

O tratamento desta anemia envolve a reposição da vitamina B12 que pode ser feito através de injeções intramusculares de vitamina B12 e de comprimidos formulados com doses elevadas desta vitamina, permitindo sua absorção nos níveis de que o organismo necessita mesmo na presença de condições que impedem a absorção da vitamina B12 nas quantidades habitualmente encontradas na alimentação.

Anemia da inflamação (também chamada de doença crônica)

Algumas doenças como insuficiência renal, cânceres, infecções crônicas e doenças reumatológicas podem impedir que o organismo use o ferro para a produção das células vermelhas, mesmo que ele esteja em níveis normais no organismo. Chamamos essas condições de anemia de inflamação ou anemia de doença crônica.

Esta forma de anemia costuma representar um desafio diagnóstico, já que não há exames laboratoriais que permitam realizar um diagnóstico específico. Seu diagnóstico geralmente é sugerido pela presença de uma ferritina elevada, com dosagem normal de saturação de transferrina (um parâmetro que mede a quantidade de ferro circulante no sangue) e na exclusão de outras causas de anemia.

Da mesma forma, o tratamento dessas anemias é bastante desafiador, uma vez que somente o controle da inflamação que está desencadeando a anemia poderá revertê-la. Num grande número de casos, porém, o controle dessa inflamação (dependendo da doença que a provoca) é só parcial ou não é possível (em função das características da doença e dos tratamentos disponíveis para ela) o que, naturalmente, leva a uma melhora parcial ou mesmo ausente da anemia.

Finalmente, nos casos em que esta anemia está relacionada à insuficiência renal, o uso de eritropoietina (hormônio que estimula a medula óssea a produzir células vermelhas e que geralmente está deficiente na insuficiência renal) é indicado e geralmente traz bons resultados.

Outras causas

Existem várias doenças que podem causar uma redução da produção de células vermelhas pela medula óssea. Essas doenças podem se originar na medula óssea ou em outros locais do organismo, fora da medula óssea, mas posteriormente se instalarem na medula óssea. Elas geralmente resultam na redução da produção de outras células como os glóbulos brancos (leucócitos) e as plaquetas. Nesses casos o diagnóstico só pode ser obtido através da realização de uma biópsia de medula óssea.

Doenças que se originam na medula óssea

Entre as doenças que se originam na medula óssea, as mais frequentes são a mielodisplasia (também conhecida como síndrome mielodisplásica), doença em que a medula óssea passa a produzir células sanguíneas com alterações na forma e na função–e que por isso tem um período de vida muito curto, o que leva a uma redução das células normais circulantes (o conceito é complicado, mas imagine uma fábrica de automóveis que, ao invés de produzir pneus, passa a produzir melancias! Carros não funcionam com melancias no lugar dos pneus e a consequência é uma produção menor de carros “normais”) e a anemia aplásica, doença em que o organismos deixa de produzir as células sanguíneas. Outras doenças nessa categoria são o mieloma múltiplo, a mielofibrose primária e as leucemias (agudas e crônicas), discutidas em mais detalhe em outras partes do site.

Doenças que se originam fora da medula óssea

Uma série de doenças que acomete nosso organismo pode se originar fora da medula óssea, infiltrá-la e prejudicar sua função. Um exemplo bastante comum são os cânceres, como de pulmão, próstata e mama que através de metástases ósseas passam a infiltrar a medula óssea comprometendo a produção de células sanguíneas. Infecções também, causadas por alguns tipos de bactérias, fungos e vírus, como tuberculose, histoplasmose e citomegalovírus podem acometer a medula óssea comprometendo a produção de células sanguíneas. Novamente, assim como na situação de doenças que se originam na medula óssea, é muito raro que essas doenças causem somente anemia.

Anemias por aumento de destruição

As células sanguíneas do nosso organismo são renovadas diariamente. Para se ter uma ideia, diariamente produzimos cerca de 200 bilhões de novas células vermelhas (hemácias)! Isso mesmo, 200.000.000.000 de novas células todos os dias! Estas células são produzidas para repor um número equivalente de células senescentes (velhas). Em média, cada glóbulo vermelho que produzimos dura cerca de 120 dias (3 meses) em nosso organismo.

Uma série de doenças genéticas e adquiridas podem fazer com que esses glóbulos vermelhos (hemácias) durem menos que 120 dias, ou seja, sejam destruídos em excesso. Quando a destruição excede a capacidade de nosso organismo de produção dessas células, temos a anemia, chamada nesse caso de anemia hemolítica (do grego: haema=sangue e lysis=romper, quebrar).

Seu diagnóstico é feito através da análise dos parâmetros de produção de glóbulos vermelhos (hemácias), o principal é chamado de reticulócitos, e dos produtos da destruição dessas células a bilirrubina indireta e a desidrogenase lática. Se todos eles estão elevados, tem se o diagnóstico da hemólise. A bilirrubina é o que costuma alterar a pigmentação da pele, fazendo com que os portadores das anemias deste grupo tenham um aspecto amarelado (chamado de icterícia). Outro parâmetro utilizado para se avaliar a presença de hemólise é a haptoglobina, uma proteína que remove os produtos da destruição dos glóbulos vermelhos (hemácias) de nossa circulação. Quando há muita destruição de hemácias essa proteína (haptoglobina) é muita utilizada e seus níveis caem na circulação.

As anemias hemolíticas apresentam diversas causas, que podem ser agrupadas em defeitos dos glóbulos vermelhos (hemácias) e seus componentes ou doenças não diretamente relacionadas (extrínsecas) aos glóbulos vermelhos.

Anemias hemolíticas por defeitos dos glóbulos vermelhos (hemácias)

Primeiramente é importante destacar que todas as doenças desse grupo são congênitas, isto é, são transmitidas por um defeito genético que a pessoa herda de seus pais ao nascer. Os glóbulos vermelhos possuem três elementos que mais comumente são afetados por defeitos que levam a uma destruição excessiva dos glóbulos vermelhos. São eles: a hemoglobina (substância dos glóbulos vermelhos que realiza o transporte de hemoglobina), enzimas (proteínas que protegem a hemácia da agressão de substâncias como medicamentos) e a membrana (invólucro que protege as hemácias).

Doenças que acometem a hemoglobina (hemoglobinopatias)

As doenças que acometem a hemoglobina (hemoglobinopatias) são as principais causas de anemias hemolíticas por defeitos dos glóbulos vermelhos. Existem várias doenças incluídas nesse grupo, sendo as duas mais conhecidas a anemia falciforme e as talassemias.

Doença falciforme

A doença falciforme é uma forma de anemia bastante prevalente: estima-se que para cada 1000 nascimentos no mundo, 1 seja de uma criança com anemia falciforme. A doença falciforme acontece por um defeito genético que leva a uma alteração da função da hemoglobina, que passa a se tornar mais adesiva (como uma cola) em determinadas condições. Isso faz com que os glóbulos vermelhos percam seu formato habitual de um disco e passem a ter forma de uma foice. Essas células no formato de foice são mais facilmente destruídas pelo nosso organismo e obstruem a circulação (principalmente nos locais em que os vasos sanguíneos são de calibre mais fino, como no cérebro, nos rins, no pulmão e nas extremidades dos ossos longos), levando a uma série de consequências, como crises de dores ósseas (pela redução da irrigação sanguínea dos ossos, secundária a dificuldade de circulação provocadas pelos glóbulos vermelhos em formato de foice), insuficiência renal, quadros respiratórios, acidente vascular cerebral (popularmente chamado de derrame) entre outros.

Essas complicações, porém, aparecem somente na forma mais grave da doença, quando a pessoa herda duas cópias doentes do gene responsável pela produção da hemoglobina, um do pai e um da mãe.

Uma condição mais comum e menos grave é o traço falciforme, situação onde a pessoa herda só uma cópia doente (do pai ou da mãe) do gene responsável pela produção da hemoglobina. Nessa situação a pessoa não apresenta qualquer alteração no hemograma nem qualquer tipo de sintoma observado em pacientes com a forma mais grave, ou seja: costumam ser portadores assintomáticos (sem sintomas) da doença. Em qualquer uma das situações o diagnóstico é estabelecido através de uma eletroforese de hemoglobina.

Talassemias

As talassemias são doenças resultantes da perda da capacidade do nosso organismo de produzir uma das cadeias que compõe a hemoglobina. Resumidamente o indivíduo adulto possui 3 tipos diferentes de hemoglobina: a hemoglobina A (formada por cadeias ɑ e β), a hemoglobina A2 (formada por cadeias ɑ e δ) e a hemoglobina fetal (formada por cadeias ɑ e ɣ).

Nos indivíduos portadores de talassemia um dos genes responsáveis por um dos três tipos de cadeia de hemoglobina do adulto (ɑ, β e δ) apresenta um defeito que leva a diminuição ou à interrupção da produção da cadeia afetada. Como resultado, o organismo da pessoa passa a produzir hemoglobinas compostas somente por um tipo de cadeia (por exemplo, ao invés de fazer uma hemoglobina formada por cadeia ɑ e β, passa a produzir uma hemoglobina formada somente por cadeias ɑ). Essas hemoglobinas não são estáveis e por isso levam à destruição precoce dos glóbulos vermelhos, causando anemia.

A cadeia afetada pela doença dá o nome da talassemia, por exemplo: no caso de diminuição ou ausência de produção da cadeia β, tem-se a β talassemia, no caso do mesmo processo com a cadeia ɑ, tem-se a ɑ talassemia, e assim por diante.

Da mesma maneira que na doença falciforme, os indivíduos portadores de talassemia têm, em sua maioria, uma forma leve, resultante geralmente de somente uma cópia do gene (herdado ou do pai ou da mãe) defeituoso numa situação frequentemente chamada de traço talassêmico. Nesta forma da doença a pessoa apresenta anemia muito leve ou não tem anemia. As características do hemograma são bastante parecidas com aquelas encontradas na anemia por deficiência de ferro, razão pela qual muitos pacientes com talassemia passam anos sendo tratados como portadores de anemia por deficiência de ferro.

Estima-se que cerca de 1% da população brasileira seja portadora de talassemia em alguma de suas formas. No caso da β talassemia o diagnóstico pode ser obtido através da realização de um exame simples, chamado eletroforese de hemoglobina (o mesmo usado para o diagnóstico de doença falciforme). As outras formas de talassemia, no entanto, exigem exames mais complexos (como o sequenciamento do DNA) para seu diagnóstico.

Doenças que acometem a membrana

A membrana dos glóbulos vermelhos é composta por diversas proteínas e garante sua integridade. Algumas doenças genéticas resultam em defeitos de algumas dessas proteínas que compõem a membrana, levando ao prejuízo de função desta, comprometendo a estrutura dos glóbulos vermelhos, que se torna instável e suscetível à destruição.

O ponto em comum entre todas essas doenças é a alteração do formato dos glóbulos vermelhos. Se pensarmos nos componentes da membrana como as vigas que mantém a estrutura de uma casa, é fácil entender que, quando uma dessas vigas colapsa, parte da casa desaba, alterando a sua forma. A mesma coisa acontece com os glóbulos vermelhos.

Assim, cada doença de membrana recebe o nome do formato que o glóbulo vermelho adquire com a doença, por exemplo: na esferocitose hereditária, os glóbulos vermelhos adquirem a forma de esferas (lembrando que o normal é a forma de um disco), já na eliptocitose hereditária os glóbulos vermelhos apresentam formato de elipse e assim por diante.

Em comum, essas doenças apresentam aumento do baço, órgão responsável pela destruição dos glóbulos vermelhos com o formato aumentado.

O diagnóstico dessas doenças envolve a realização de um exame chamado resistência globular osmótica. Nele os glóbulos vermelhos do paciente são colocados em uma solução líquida que faz esses glóbulos vermelhos “incharem”. Portadores de doenças da membrana tem maior fragilidade dos glóbulos vermelhos, que “estouram” mais rapidamente que os glóbulos vermelhos de pessoas normais, comprovando a presença de algum defeito na membrana dessas células.

Doenças que afetam as enzimas

Os glóbulos vermelhos estão sob o constante ataque das diversas substâncias que circulam em nosso sangue. Muitas dessas substâncias são capazes de produzir o que é comumente chamado de “radicais livres”. Esses radicais livres são capazes de provocar danos nos glóbulos vermelhos, o que é evitado por algumas enzimas (proteínas que aceleram a ocorrência de determinadas reações químicas em nosso organismo) como a piruvatoquinase (PK) e a glicose-6-fosfato desidrogenase (G6PD).

Alguns indivíduos nascem com uma deficiência parcial ou completa destas ou de outras enzimas envolvidas na proteção dos glóbulos vermelhos da agressão mediada por radicais livres. Assim, quando esses indivíduos ingerem ou fazem uso de alimentos ou medicamentos contendo substâncias geradoras desses radicais livres, seus glóbulos vermelhos são lesados o que leva à sua destruição.

Como consequência, essas pessoas apresentam surtos de hemólise (episódios agudos de destruição de glóbulos vermelhos) após exposição a estes alimentos e/ou substâncias. O alimento mais comumente relacionado a estas doenças são os feijões fava, mas corantes alimentícios a base de anilina também podem desencadear a destruição dos glóbulos vermelhos nessas pessoas. Com relação aos medicamentos, antibióticos, antimaláricos (incluindo a cloroquina e hidroxicloroquina), alguns anti-inflamatórios e analgésicos estão entre os principais desencadeantes.

É importante observar que a anemia só ocorre após o uso de uma dessas substâncias, por isso, em condições normais, a pessoa não apresenta anemia, e o diagnóstico só pode ser feito através da dosagem da atividade das enzimas potencialmente envolvidas.

Da mesma forma, o tratamento envolve, essencialmente, evitar a exposição a estes agentes. No Brasil, estima-se que a prevalência dessa forma de anemia seja de algo em torno de 2%.

Anemias hemolíticas por causas não diretamente relacionadas aos glóbulos vermelhos

Ao contrário das anemias hemolíticas por causas relacionadas aos glóbulos vermelhos, a grande maioria das doenças nesse grupo são adquiridas, ou seja, não são hereditárias (transmitidas dos pais para os filhos). Nesse grupo a doença mais importante é a anemia hemolítica autoimune. Outras doenças mais raras que também são incluídas nesse grupo incluem as anemias hemolíticas provocadas por parasitas (como a malária), as anemias hemolíticas microangiopáticas e a hemoglobinúria paroxística noturna.

Anemia hemolítica autoimune

As anemias hemolíticas autoimunes (AHAI) são doenças em que os glóbulos vermelhos são destruídos por anticorpos, que são proteínas produzidas pelas células de defesa do nosso organismo com o objetivo de combater infecções. Ou seja: existe uma resposta imunológica do nosso organismo inapropriadamente direcionada contra os glóbulos vermelhos. Como resultado, a pessoa com esse tipo de anemia tende a apresentar quadros de anemia que se instalam de maneira súbita. Como os glóbulos vermelhos são destruídos no baço, é comum que este órgão esteja aumentado nesta situação.

Existem diversas condições que são capazes de desencadear este tipo de anemia: doenças infecciosas, como as hepatites virais e o HIV, doenças autoimunes (popularmente chamados, de maneira às vezes inadequada, de reumatismos), como o lúpus eritematosos sistêmicos e alguns tipos de câncer, como a leucemia linfoide crônica e alguns outros linfomas. Por esta razão, na investigação das pessoas portadoras destas anemias, é sempre muito importante realizar uma ampla investigação com o objetivo de verificar se a pessoa também não apresenta alguma das doenças descritas acima. Numa minoria das pessoas não é possível identificar outra doença como causa deste tipo de anemia.

O diagnóstico da AHAI é feito através do teste da antiglobulina direta (muito conhecido como teste de Coombs direto), que detecta a presença de anticorpos nos glóbulos vermelhos.

O tratamento envolve a redução da produção de anticorpos contra os glóbulos vermelhos. Geralmente a primeira medicação usada nesta situação são os corticosteroides, medicações que atuam diminuindo a atividade do sistema imune, reduzindo, portanto, a produção dos anticorpos que estão destruindo os glóbulos vermelhos. Para os pacientes que não respondem muito bem a este tratamento, existem outras opções, como a retirada cirúrgica do baço.

Anemias hemolíticas microangiopáticas

As anemias hemolíticas microangiopáticas são um grupo de doenças em que a destruição dos glóbulos vermelhos ocorre por fatores da circulação que levam a um fluxo turbilhonado do sangue nos vasos. Nessas doenças também ocorre a destruição das plaquetas. Formas de hipertensão arterial muito grave, como a hipertensão arterial maligna e as doenças hipertensivas da gestação, como pré-eclâmpsia, eclampsia e HELLP são causas desse tipo de anemia. Outros fatores, como próteses de valva cardíaca e outras próteses vasculares usadas para o tratamento de aneurismas de aorta também podem provocar esse tipo de anemia. Alguns medicamentos, principalmente os quimioterápicos e alguns imunossupressores utilizados em transplantes de órgãos e tecidos também podem provocar esse tipo de anemia.

A doença mais famosa deste grupo, porém, é a púrpura trombocitopênica trombótica. Esta doença resulta da destruição, pelo sistema imune, de uma proteína chamada ADAMTS13, responsável por impedir a formação de coágulos por uma outra proteína o fator de von Willebrand. O resultado é a formação de coágulos na circulação que turbilhonam o fluxo sanguíneo, produzindo a destruição dos glóbulos vermelhos. Também ocorre a queda na contagem de plaquetas, tanto por destruição tanto por consumo na formação desses coágulos.

Esta doença costuma ser muito grave, de evolução rápida, geralmente sendo diagnosticada em hospitais. Seu tratamento envolve a realização da plasmaférese, um procedimento análogo à hemodiálise, em que os anticorpos contra a proteína ADAMTS13 são removidos.