Leucemias

Uma das maiores preocupações dos pacientes que procuram um hematologista é se eles têm ou não uma leucemia. Embora, em muitos casos, infelizmente as pessoas tenham razão em temer esse diagnóstico, o termo leucemia engloba um grande número de doenças, com comportamentos muito distintos e que apresentam em comum o aumento na produção de glóbulos brancos.

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O nome leucemia foi criado pelo patologista alemão Rudolf Virchow, no século XIX, e vem da junção das palavras gregas “leukos” (branco) e “haima” (sangue), significando, literalmente, sangue branco. A escolha desse termo se refere à proliferação dos glóbulos brancos do sangue.

É importante destacar que, apesar do nome, a minoria das situações em que se observa no hemograma um aumento de glóbulos brancos no sangue são causadas por leucemias. Há outras causas muito mais comuns, como infecções, uso de medicamentos, doenças autoimunes entre outras. Existem características particulares no hemograma de alguém com aumento dos glóbulos brancos (leucócitos) que sugerem o diagnóstico de uma leucemia. Na verdade, muitas leucemias sequer levam a um aumento de glóbulos brancos no sangue.

Existem vários tipos de leucemias agudas, mas os mais comuns são a leucemia linfoblástica aguda, a leucemia mieloide aguda, a leucemia linfoide crônica e a leucemia mieloide crônica.

Leucemias agudas (linfoblástica e mieloide)

As leucemias agudas (linfoblástica e mieloide) caracterizam-se pela produção de células imaturas em grande quantidade pela medula óssea. A produção dessas células é tão intensa, que a medula óssea deixa de produzir células normais e saudáveis para produzir apenas esse tipo de célula. Além disso, essas células imaturas não se desenvolvem em células maduras e funcionantes e como resultado ocorre grande aumento dessas células imaturas circulantes no sangue com redução das células normais (glóbulos vermelhos, glóbulos brancos e plaquetas).

As células imaturas são chamadas de blastos e apresentam aparência semelhante aos glóbulos brancos (também chamados de leucócitos), por isso o hemograma de alguém com leucemia aguda geralmente apresenta aumento do número de leucócitos às custas de blastos, com redução dos glóbulos vermelhos (anemia) e das plaquetas.

A leucemia linfoblástica aguda acontece predominantemente na criança, sendo o câncer mais comum nessa população. Ela geralmente se manifesta com sinais e sintomas associados à redução da produção de células maduras pela medula óssea, ou seja, sinais e sintomas relacionados à anemia, à queda das plaquetas e dos glóbulos brancos. Assim a pessoa com leucemia aguda geralmente apresenta muito cansaço, fraqueza, manchas roxas pelo corpo, sangramento pelo nariz e pela gengiva, além de febre e infecções. A doença costuma se instalar de maneira bem rápida, o que geralmente leva a pessoa com leucemia a procurar atendimento em pronto-socorro, pela rapidez com que os sintomas começam e progridem.

A leucemia mieloide aguda, por sua vez, acontece predominantemente em pacientes com mais de 60 anos, sendo mais comum que a leucemia linfoblástica aguda nas faixas etárias a partir de 20 anos. Pode se iniciar como uma doença nova ou evoluir de outras doenças da medula óssea, como as neoplasias mieloproliferativas (policitemia vera, trombocitemia essencial, mielofibrose primária) e as síndromes mielodisplásicas. A leucemia mieloide aguda tem a mesma apresentação clínica da leucemia linfoblástica aguda (sintomas de anemia, redução da contagem de plaquetas e dos leucócitos). Os dois tipos de leucemia aguda podem apresentar crescimento de tumores (relacionados ao acúmulo das células imaturas, os blastos, em lugares do corpo fora do sangue (por exemplo: na pele, no fígado, no cérebro, entre outros) e podem apresentar aumento (geralmente discreto) dos gânglios linfáticos, do fígado e do baço.

O diagnóstico, muitas vezes, já é estabelecido a partir do hemograma, embora seja quase sempre necessária a realização de exames na medula óssea (aspiração de medula óssea – o mielograma – e biópsia de medula óssea) para confirmação do tipo de leucemia aguda (mieloide ou linfoblástica). A partir da medula óssea também são realizados outros exames, para avaliar as características genéticas da leucemia, o que ajuda a direcionar o tratamento (por exemplo, avaliando a necessidade ou não de transplante de medula óssea).

As leucemias agudas são doenças graves que, infelizmente, apesar de todos os avanços no tratamento, apresentam resposta limitada ao tratamento, com risco de morte elevado. A leucemia linfoblástica aguda na criança, porém, apresenta elevadas taxas de cura, da ordem de 90%.

O tratamento requer a realização de quimioterapia (tratamento com múltiplas drogas que visam a eliminar as células doentes, porém que não são específicas para essas células, afetando também as células saudáveis, produzindo, por isso, uma série de efeitos colaterais, como queda de cabelo e redução da produção de sangue, frequentemente com necessidade de transfusão), em ambiente hospitalar, ao longo de vários ciclos, com duração de 4-6 meses na leucemia mieloide aguda e mais de um ano na leucemia linfoblástica aguda. Muitas vezes é necessária a realização do transplante de medula óssea o que depende de fatores da pessoa e de características da leucemia.

Leucemia linfoide crônica

A leucemia linfoide crônica é a leucemia mais comum do adulto. As leucemias crônicas, ao contrário das leucemias agudas, não se caracterizam pela proliferação de células imaturas, mas sim pela proliferação de células maduras. No caso da leucemia linfoide crônica, essas células são os linfócitos. Por se tratar de um aumento de produção de células maduras não costuma haver comprometimento da produção de células sanguíneas normais, sendo observada anemia e redução na contagem de plaquetas somente em estágios mais avançados da doença, quando a produção de linfócitos doentes se torna muito intensa e compromete a produção de células normais. A evolução para essa situação, porém, costuma ser muito lenta, e na maioria das pessoas com essa doença, não chega a acontecer.

Por se tratar, na maioria das vezes, de um crescimento lento de células maduras, a leucemia linfoide crônicas costuma manifestar-se de maneira assintomática, ou seja, sem sintomas. A maior parte dos portadores de leucemia linfoide crônica é diagnosticada em exames de rotina, quando são vistas alterações no hemograma (aumento do número de linfócitos) que levam a pessoa a procurar o hematologista. Menos frequentemente essas alterações no hemograma incluem anemia e redução na contagem de plaquetas. Outras alterações que podem estar presentes são aumento do baço ou de gânglios (linfonodos) no pescoço, nas axilas, ou nas regiões inguinais.

A evolução lenta e benigna em grande número dos pacientes portadores da leucemia linfoide crônica faz com que a maior parte desses pacientes não necessitem de tratamento. Isso pode parecer estranho (não tratar uma leucemia!) mas resulta do fato de que o tratamento não é capaz de curar a doença, mas sim de controlar, temporariamente, a produção de linfócitos, permitindo que a produção de células, seja retomada. Assim, a maior parte das pessoas que tem essa doença vai necessitar apenas de seguimento com seu hematologista, realizando exames periodicamente com o objetivo de avaliar se a doença se encontra estável ou em piora. É comum que, com o passar do tempo, haja aumento do número de células doentes (linfócitos) no sangue. Essa alteração por si só, não indica a necessidade de início do tratamento. Em muitos casos, porém, além do aumento do número de linfócitos, ocorre uma redução da produção de plaquetas e de glóbulos vermelhos, ou um aumento muito grande dos linfonodos (gânglios linfáticos) ou do baço, com surgimento de alterações como febre, perda de peso e suores noturnos. Nesses casos é necessário realizar o tratamento da doença, com quimioterapia. Como já mencionado esse tratamento não tem o objetivo de curar a doença, mas sim de reverter e conter sua progressão, fazendo com o que a pessoa retorne para o estado de portadora assintomática (sem sintomas) da mesma.

Dessa forma, a leucemia linfoide crônica costuma ter, na maior parte de seus portadores, uma evolução favorável, embora alguns casos possam ser agressivos e refratários ao tratamento, podendo levar ao óbito.

Leucemia mieloide crônica

A leucemia mieloide crônica representa um dos maiores sucessos da medicina moderna. Uma doença antes fatal na maioria dos casos, potencialmente curável somente com o transplante de medula óssea, tornou-se plenamente manejável com o uso de um medicamento usado diariamente na forma de um comprimido.

Da mesma maneira que na leucemia linfoide crônica e em contraponto as leucemias agudas, a leucemia mieloide crônica se caracteriza pela proliferação de células sanguíneas maduras. Diferente da leucemia linfoide crônica, porém, essas células são da linhagem mieloide, e incluem os neutrófilos, os eosinófilos e os basófilos (todos glóbulos brancos) e as plaquetas. Assim como a leucemia linfoide crônica, ela costuma ser assintomática (ou seja, sem sintomas) e ser detectada a partir de alterações do hemograma observadas em exames de rotina. Ela pode cursar com o aumento do baço, mas raramente causa aumento dos gânglios linfáticos.

Seu diagnóstico requer a demonstração da presença de uma alteração genética, que corresponde à fusão de partes de dois cromossomos diferentes, o 9 e o 22, gerando um novo cromossomo chamando cromossomo Filadélfia. A fusão entre esses dois cromossomos leva à criação de um gene resultante da junção de outros dois genes que existem normalmente em indivíduos sem essa doença, o BCR-ABL. A detecção do BCR-ABL ou do cromossomo Filadélfia, como mencionado acima, é fundamental para o diagnóstico da leucemia mieloide crônica.

Diferente da leucemia linfoide crônica, todos os casos de leucemia mieloide crônica requerem tratamento ao diagnóstico. Isto ocorre porque, sem tratamento e com o tempo, as leucemias mieloides crônicas podem se tornar leucemias agudas, que são mais graves e mais resistentes ao tratamento.

Ate os anos 2000, o tratamento era realizado com medicações que visavam a diminuir o número de glóbulos brancos, recomendando-se o transplante alogênico de medula óssea para os pacientes com doadores de medula óssea disponíveis. No início desse século foi lançado um medicamento chamado imatinibe, capaz de inibir as ações da proteína resultante da fusão dos cromossomos 9 e 22. Esse medicamento se mostrou muito eficaz e foi capaz de transformar o cenário de tratamento desta doença, que passou de letal num número significativo de casos para controlável com um comprimido por dia na grande maioria deles. Atualmente existem outros medicamentos além do imatinibe para o tratamento desta leucemia e o transplante alogênico de medula óssea só é usado nos raros casos em que a pessoa não responde aos diferentes medicamentos ou tem efeitos colaterais graves a todos eles.